O sonho (a vida ideal): Mari é o nome do protagonista de um filme premiado em Berlim e candidato a Óscar em 2012 |
O sono (a vida real): Katalin Toldi (Mari) no seu bairro cigano, na Hungria |
Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Fernando Pessoa
Conheci Katalin há dias, num bairro húngaro de ciganos. As casas não têm água corrente e são de uma pobreza extrema. Mas Katalin tem uma consolação: ele é a estrela de cinema da comunidade cigana na Hungria. Há cerca de dois anos, o líder da comunidade cigana recebeu um telefonema de Bence Fliegauf, um realizador húngaro que precisava de um "ciganito" para um filme que iria ser produzido em Berlim por húngaros, alemães e franceses. A produção tornou-se um enorme sucesso. Chama-se Just the Wind. Não é um documentário, mas quase. Retrata o sofrimento dos ciganos húngaros, que representam 10% da população do país. O filme ganhou o Grande Prémio do Festival de Cinema de Berlim. É finalista do Lux Prize, do Parlamento Europeu, e é candidato ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, cujas nomeações serão conhecidas no dia 15 de janeiro próximo.
Katalin foi viver dois anos para Berlim, sem os pais. Deram-lhe cama, comida e roupa lavada, para além de alguns brinquedos. Dois anos de sonho, longe da miséria. Depois foi devolvido à sua comunidade cigana em Szolnok. O pai e o líder da comunidade dizem que o miúdo foi explorado. Os seus direitos não foram acautelados porque não tinha a companhia dos pais ou de qualquer adulto da sua comunidade. Chegaram a prometer-lhe um apartamento, sim isso mesmo: aquelas casas com quarto-de-banho, água corrente, cozinha a gás e aquecimento, algo que nós achamos vulgar. Veio sem nada na mão. Regressou apenas com os horizontes mais abertos e já vai à escola de boa-vontade, algo assinalável na comunidade cigana.
Antes de saber de toda a sua história, perguntei-lhe se tinha vindo rico da sua aventura em Berlim. Ele riu-se para o pai e abanou a cabeça. Pedimos para lhe tirar fotografias, mas a típica timidez de um miúdo simples não o fez aceder imediatamente. Dois anos não foram suficientes para ganhar tiques de estrela de cinema. Mas certamente ganhou a noção de como é possível viver melhor do que em sua casa. Ganhou a capacidade de sonhar. "As pessoas vivem felizes?", perguntámos ao líder da comunidade cigana. "We dream small", respondeu-nos, com a ajuda de uma tradutora do governo húngaro. "Sonhamos pequeno", é a tradução literal. Mas os olhos de Katalin não mentem. Ele ganhou a capacidade de "sonhar grande". Boa sorte, Katalin, na escola, na vida e nos Óscares de Hollywwod, a terra dos sonhos!
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