segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Mapa das marcas em tempo de crise

Ian Muttoo / Foter.com / CC BY-SA


As marcas não se posicionam relativamente ao mercado da mesma forma em tempos de crise e prosperidade. As exceções estão normalmente situadas no núcleo premium, uma vez que a escassez e a redistribuição de recursos afeta em menor grau os mais abastados economicamente. Normalmente, em tempos de austeridade o que acontece é um agravamento das desigualdades, frequentemente esmagando segmentos intermédios ao nível do poder de compra. Mas, como veremos, as marcas não jogam as suas apostas tendo apenas em consideração o poder de compra em sentido restrito.



Proponho que olhemos para o espectro do mercado em tempos de crise de uma forma pouco convencional, mas que acredito ser um retrato fiel da realidade atual em Portugal e não só. A minha proposta é muito mais um mapa do posicionamento das marcas perante um mercado transformado pela austeridade (só as premium puras não mudam) e não tanto um mapa de posturas do consumidor perante as marcas. Os mais críticos dirão que o problema é semelhante ao do ovo e da galinha. Em que medida é que as marcas se posicionaram diferentemente devido simplesmente às novas necessidades de consumidores transformados pela austeridade e receio quanto ao futuro?

O espectro do mercado, em termos de alcance de públicos, pode ser dividido atualmente em quatro camadas. Alguns poderão contestar a disposição e afirmar que uma dada marca até pode ter um pé num dos níveis e um segundo pé noutro nível. O argumento é válido, mas isso sempre aconteceu, até nas divisões por segmentos mais clássicas, com destaque para o relógio estratégico de Bowman (1995).



Aquilo a que chamarei Mapa das marcas (em tempo de crise) tem quatro níveis que passo a explicar, partindo do núcleo para o exterior.



1) Marcas céu. São tão exclusivas que excluem a larga maioria. Estamos a falar obviamente de produtos e serviços tão caros que só estão ao alcance de um pequeno grupo de cidadãos. Quem pode comprar um Bentley ou passar umas férias de duas semanas num hotel de 5 estrelas? Quem compra carteiras Chanel ou fatos de homem feitos à mão e a custar mais de 1000 euros? Quem pode ter uma moradia de 10 quartos e piscina aquecida? O preço, associado ao conceito de exclusividade, exclui à partida a maioria da população.


2) Marcas comopremium. Estão entre o nível commodity e premium. Fazem muitos sentir que conseguem uma centelha da felicidade dos ricos. Esta realidade nem precisa de estudos de mercado sofisticados. Basta entrar numa loja de telemóveis ou num espaço de venda Nespresso e constatar o mix de compradores do iPhone 5 e, no segundo caso, de máquinas e cafés da marca criada pela Nestlé. Basta igualmente perceber o sucesso das marcas de automóveis caros que criaram uma espécie de gama média, mais acessível ao grande público. O cliente pode ostentar com orgulho um BMW, um pequeno BMW, é certo. O efeito na mente do consumidor é mágico: ao conseguir comprar aqueles produtos, ele conquista uma centelha de felicidade que aparentemente estaria reservada a segmentos mais altos em termos de poder de compra. Estas marcas estão a meio caminho entre o segmento commodity e o puro premium (inacessível para a maioria).


3) Marcas babás. Dão colo ao consumidor. São companheiras, inteligentes e dão conselhos. São tendenciamente populares e não necessariamente low-cost. No mundo “red ocean” de grande competição e em que a prosperidade empurrava as marcas para a imagem em detrimento do conteúdo, bastava dizer qual era a proposta de valor para o consumidor. Uma taxa de juro X? Um desconto Y em cartão? A proximidade física devido ao número elevado de pontos de venda? Somos os mais baratos? Os mais originais e de preço acessível? Do outro lado deste diálogo, estavam consumidores que tinham mais ou menos poder de compra. Mas tinham algum, com certeza, e reinava na sociedade um otimismo generalizado quanto ao futuro. Daí que o crédito galopasse sem obstáculos. De repente, a austeridade na Europa, particularmente sentida desde 2008, criou um universo alargado de consumidores com menos poder de compra, mais receosos relativamente ao futuro. Aqueles que pouco perderam ou que até nem perderam preferem poupar e, se necessário, gastar sabiamente. O receio sobre o futuro é um travão, por vezes um travão a fundo. Algumas marcas acordaram e já não anunciam só a taxa de juro X ou a promoção Y. Elas dão colo a estes consumidores cautelosos, receosos e cada vez mais racionais. Repare-se nos conselhos dados pelo Continente em 2011 (primeiro vídeo) e como tudo era diferente em 1991 (repare na última frase áudio do anúncio). O anúncio de há mais de uma década fala em prémios e “comprar”. Atualmente, a palavra chave é “poupar” e a postura é ajudar o consumidor a fazê-lo, e até dar-lhe colo com conselhos sobre, por exemplo, poupar tempo. Há muitos mais exemplos noutras marcas.



4) Marcas transversais. São do tipo commodity low-cost e começam a ser usadas por todo o tipo de consumidor,  nomeadamente o "smart downtrader shopper" (SDS). O que tem de curioso este tipo de marcas é que em tempo de crise acabam por chegar a vários segmentos e isso não acontecia antes. Têm feito um percurso de baixo para  cima, nomeadamente devido aos consumidores de alto ou médio poder de compra que estão mais receosos ou conscienciosos e ao aparecimento do SDS. Estas marcas têm o potencial para fazer um marketing para segmentos cruzados e aí é que está o desafio, ainda não totalmente capitalizado a seu favor. No entanto, esse posicionamento foi em certa medida percebido com a criação de marcas brancas premium. Claro que este tipo de produto é igualmente “aproveitado” pelas marcas que estão na camada 2 do mapa (marcas entre o nível commodity e premium). Por vezes, serão uma e a mesma marca. Estar ou não estar nos dois níveis (2 e 4) dependerá do grau de racionalização do posicionamento na cabeça do estratega de marketing. Na perspetiva dos consumidores, estar ou não nos dois níveis é também possível, como é evidente. Espera-se, obviamente, que a marca perceba qual é o seu posicionamento real em tempo de crise neste mapa para poder capitalizar o melhor possível a comunicação com os atuais e potenciais clientes.


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