Alguém ainda se lembra de uma reportagem televisiva sobre o facto de o IVA ir descer no Volkswagen Golf, mas que afinal era no golfe? A pressão tempo é tramada. Agora, um alegado funcionário da ONU, de nome Artur Baptista da Silva, foi apresentado como um visionário, não passando de um impostor. Há que reconhecer o tremendo erro. Os media, onde eu próprio me incluo, estão demasiado pressionados pelo tempo e os equívocos e incorreções vão acontecendo. É bem verdade que ninguém está livre de enganar-se em qualquer profissão. A diferença é que o trabalho do jornalista é quase imediatamente visível para largos milhares de cidadãos, colocando a nu eventuais fragilidades e, é justo dizê-lo, qualidades que são um serviço à sociedade.
15 de março de 2011
O Jornal da Tarde anunciava a descida do IVA sobre o Volkswagen Golf para 6%. Mas, afinal, é o golfe e não o carro que vai beneficiar de uma taxa de imposto reduzida. Durante 15 segundos, um separador do Jornal da Tarde desta segunda-feira mostrava um automóvel da marca Volkswagen, com a legenda: «Um bem essencial? Golf com IVA de 6%». Mas a notícia do dia não era essa, mas sim uma informação avançada pelo Jornal de Negócios que dava conta da intenção do Governo de reduzir a taxa de IVA aplicada ao golfe para promover o turismo associado a este desporto.
«Percebemos que era um lapso e tirámos logo do ar», explicou ao SOL fonte oficial da RTP, assegurando que «são coisas que acontecem». O vídeo está, entretanto, no Youtube e tem sido partilhado no Facebook, com o título «Fail: RTP e o Golf».
23 de dezembro de 2012
Artur Baptista da Silva dizia que coordenava uma equipa da ONU encarregada pelo secretário-geral Ban Ki-moon para apresentar um relatório da crise na Europa do Sul. Foi entrevistado em programas de TV e por jornais como o Expresso. Apresentou três pontos para uma renegociação com a troika. Um dia depois de ter sido entrevistado pelo programa Expresso da Meia-Noite, a SIC revelou que tudo foi uma mentira bem arquitetada pelo próprio.
A raiz do problema é raramente debatida: falta de recursos humanos, concorrência interna e entre órgãos de comunicação social, pressões das fontes para publicação imediata, etc. Em suma: pressão tempo, fator muitas vezes impeditivo de um trabalho de qualidade. O que este caso tem de curioso reside no facto de instituições como o Grémio Literário ao convidarem o senhor para conferências, terem criado suficiente media awareness. Um personagem que entre no sistema mediático é alguém, tem direito a entrar no mundo dos media sem passaporte. Fez-me lembrar um falso engenheiro que conheci há muitos anos. Como o primeiro empregador era conhecido do seu pai, nunca mostrou certificado de habilitações e, posteriormente, foi progredindo porque tinha o selo da credibilidade de ter tido um primeiro emprego como engenheiro. Antes de chegar à SIC, Expresso ou TSF, Artur Baptista da Silva tinha o selo de ser um economista da ONU e brilhante orador. Veja-se a explicação do Expresso. A pressão tempo traduziu-se pela dispensa da consulta de fontes primárias (ONU), confiando-se em fontes secundárias que alegadamente teriam verificado a origem do sujeito. Parece que até a Associação Abril conseguiu desmascarar este cidadão há dois meses, diz o jornal i.
Eu próprio fui abordado a propósito de um senhor Artur Baptista da Silva, supostamente membro de uma equipa da ONU encarregada pelo secretário-geral Ban Ki-moon para apresentar um relatório da crise na Europa do Sul. Só por mero acaso é que não me coube entrevistá-lo, coordenar ou editar esse trabalho. Ou seja, reconheço sem complexos que os meus colegas jornalistas não fizeram nada que eu não pudesse ter feito. Confesso que tenho a mania de ir às fontes primárias confirmar informação para preparar artigos. Assim o fiz, por exemplo, quando preparei recentemente uma entrevista ao Comissário Europeu do Emprego. Ao consultar as fontes primárias (sites oficiais), temos a hipótese de confirmar dados biográficos do entrevistado e recolher uma panóplia de informações sobre os temas que nos interessam. A pressão tempo, mais uma vez, pode ser a explicação mais óbvia para não o fazer.
Mais uma vez, considero que a pressão a que a comunicação social está sujeita leva-a a produzir uma informação beta (consulte A informação beta inunda os media), isto é, quase do tipo “teste”, algo que à partida já se sabe que terá de ser corrigida à posteriori.
Recordo aqui a minha comparação de um post anterior:
PRODUÇÃO DE PRODUTOS TECNOLÓGICOS |
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