Estará a informação online a produzir um serviço beta em contínuo? A pressão tempo não se aplica apenas aos produtos físicos, mas também aos serviços noticiosos, sobretudo aos online. Em primeiro lugar, a qualidade dos media em geral está em perigo há muitos anos, fruto da queda nas vendas em banca e das receitas publicitárias da imprensa. A consequência mais imediata foi o desinvestimento no capital humano. Os mais frios dirão que as decisões de gestão são inatacáveis numa perspetiva custo-benefício, argumento difícil de contrariar quando o horizonte de rentabilidade é de curto prazo.
A atual crise de identidade da imprensa, tendo um pé no offline (papel) e outro nos suportes digitais (site, blogs e redes sociais), leva só por si a uma informação beta, isto é, mal estruturada, feita à pressa e sujeita a retificações. A concorrência e a falta de pessoas em número e qualidade nas redações produziram um "mundo beta" que contaminou ainda mais os online, onde a pressão tempo é muito maior. Garanto que não estou a alinhar na demonização do jornalista, perspetiva nornalmente veiculada por quem não conhece os media, os seus critérios, a construção das notícias, os processos de cruzamentos de fontes, entre outros pormenores. Mas, infelizmente, ainda é uma perspetiva que encontramos em muitos profissionais de outros setores.
As empresas, sobretudo as tecnológicas, produzem em tempo recorde novos produtos e fazem-no em versões beta para testá-los. O mercado [consumidores e media especializados ou não] usa-os, percebe problemas e reporta-os. O marketing e produção tentam dar resposta e relançam produto. O mercado usa-o e percebe mais alguns problemas e o ciclo repete-se. O ciclo que era antes linear – pesquisa»planeamento»produção»venda – passa a ser circular:
PRODUÇÃO DE PRODUTOS TECNOLÓGICOS |
PRODUÇÃO DE NOTÍCIAS ONLINE OU ATÉ EM PAPEL (ao longo dos dias) |
Embora o leitor possa pensar que os esquemas circulares acima expostos sejam repetidos, está enganado, como pode verificar nas respetivas legendas.O primeiro caso refere-se ao processo de produção industrial muito comum nas novas tecnologias e o segundo esquema ilustra o processo de produção de notícias. No caso dos online, o círculo pode fechar-se num só dia e no papel pode completar-se no espaço de uma semana.
É preciso ser jornalista para entender que este raciocínio não se aplica em 100% dos casos. Há sucessões de notícias perante as quais a Ciência Política se cala. A recente "confusão" sobre a extensão a Portugal das condições dadas à Grécia para pagamento dos empréstimos europeus ilustra bem essa circunstância. Os media tiveram de acompanhar as contradições diárias do Governo, refazendo notícias e abordagens ao longo de uma semana ou mais . Mas isso é jornalismo, puro e duro. Muitos académicos ou proto-académicos pensam que o jornalismo é superficial, mas ignoram que o ritmo é diário (ao minuto se for online) ou semanal, sendo impossível, até por falta de espaço em papel, dar uma visão holística de uma determinada temática.
Esta capa do jornal i ilustra bem uma circunstância em que a informação beta se deveu às contradições dos políticos. Vale a pena clicar na imagem para ver as contradições dos protagonistas. Dias depois seria a vez de Cavaco Silva e depois Paulo Portas defenderem uma renegociação das condições do empréstimo. Passos Coelho faria igualmente marcha-atrás. É um ciclo contínuo de contradições que alimenta o ciclo contínuo de notícias aparentemente contraditórias. Aparentemente, porque a contradição não é dos produtores das notícias.
O problema atual do jornalismo não é a falta de visão científica e holística. O jornalismo nunca pretendeu alcançar esse patamar. O desafio é resistir à pressão tempo e conter a tendência da informação beta produzida às catadupas. Seja por concorrência desenfreada, falta de meios humanos, pressões das fontes ou outro motivo qualquer. As soluções ainda não foram encontradas e talvez só a autoredefinição dos media venha no futuro a recolocar a informação no seu devido lugar: os conteúdos de qualidade.
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