A entrevista estava a decorrer há uns bons 20 minutos quando, por algum motivo que a memória não me permite lembrar, desvio o olhar para o chão profundo. O entrevistado – um dinossauro autárquico - estava sentado na sua poltrona, com os braços em cima da grande secretária, e os pés estavam fora dos sapatos. Mais do que isso, as peúgas pretas tinham uma pequena marca clara junto dos dedos, uma pista a anunciar que, dentro em breve, um espaço em branco surgiria. Só um homem muito seguro de si está frente a frente a um jornalista sem os sapatos calçados.
Olho discretamente para o repórter fotográfico, que rapidamente se apercebeu da bizarra situação. Esboçámos um discreto sorriso e continuámos o nosso trabalho. Não faria sentido fotografar aquilo. Mesmo que de um dinossauro político se tratasse.
Pouco tempo antes, numa entrevista a outro autarca, por sinal geograficamente próximo do das peúgas quase rotas, mas não tão dinossauro, deparei-me com uma situação também caricata. O assessor do presidente da Câmara, que fez questão que eu me sentasse na cadeira X, esteve permanentemente atrás de mim enquanto o seu líder respondia. O interessante, é que tinha nas mãos uma série de folhas brancas e um marcador azul. Muito útil: sempre que era colocada alguma questão, o assessor escrevia palavras chave para que o edil falhasse o menos possível nas respostas.
Não terão passado mais de 10 anos quando isto aconteceu. Mas hoje, arrisco em dizer que é praticamente impossível o cenário repetir-se. O marketing político, as empresas de assessoria mediática e os profissionais de media training entraram em força na arena política nacional.
Nos dias que correm, estes autarcas que, claro está, ainda estão no poder, provavelmente iriam preferir responder por email. Caso se insistisse na entrevista presencial, a equipa de assessores iria pedir o envio prévio das perguntas. Para evitar erros de comunicação. Dizem eles. Agora, depois de vários treinos, estão mais aptos a falar com os jornalistas.
Reza a história que um presidente associativo empresarial, ainda em exercício de funções, quando ganhou as eleições, e um batalhão de repórteres de imagem se dirigia a si para registar o momento, atirou as mãos à face e quis “esconder-se”. A sua ligação com os jornalistas ainda não estaria suficientemente “treinada”.
Mas ao nível politicamente superior, os episódios bizarros também acontecem. Um ministro, que já não está em exercício de funções, antes de uma conferência de imprensa, onde já sabia que teria de enfrentar os jornalistas, atirou-se para trás de um sofá em jeito de fuga a um primeiro contacto com os repórteres.
Coisas do passado.
E se já há muito se instalou a ideia de que os media, principalmente as televisões, fazem ganhar ou perder eleições, e que as aparições televisivas, seja no formato informativo ou opinativo, são um verdadeiro trampolim para o estrelato, o media training começou a estar a atento a esta realidade. Principalmente na sequência do boom de aberturas de canais informativos 24 horas por dia.
Seja nos estúdios televisivos ou em situações de exterior, nas quais as televisões estão presentes, está claro que vamos ver um discurso muito bem ensaiado, o olhar com a intensidade certa, os gestos devidos e o nó da gravata na posição precisa.
Com as televisões, e por causa delas, há telepontos invisíveis que ajudam a disfarçar a leitura, há crianças que recebem computadores portáteis numa cerimónia do Governo mas que depois de as televisões irem embora, os computadores são-lhes retirados. E grande parte destes cenários não chegam a ser percebidos por quem está confortavelmente em casa.
Por causa dos especialistas em marketing político e media training, o agora reeleito presidente dos EUA, foi criticado por não ter tido um discurso à altura em alguns debates televisivos. Muitos pressentiam a sua derrota. Mas Obama, apesar do media training de que é alvo, manteve-se, até ver, fiel a si mesmo. E mostrou-o no contacto pessoal que manteve com a população.
A melhor forma de decidir em que devemos votar, não é pelas imagens que vemos na televisão. Nada me move contra o marketing político, muito menos contra o media training e ainda menos contra a televisão. Sou jornalista. Mas move-me a Educação para os Media. Ou seja, todos devemos ter consciência que aquilo que as notícias e os media nos mostram, não é a realidade, mas sim fragmentos da mesma. Na altura de votar ou formar opinião sobre determinada pessoa, o melhor a fazer, é não avaliar quando os holofotes das câmaras e os flashes dos fotógrafos estiverem presentes.
Haverá um dia em que políticos vão subir ao palanque sem folhas e telepontos escondidos. Haverá um dia em que políticos não terão receio de perder um debate televisivo. Haverá um dia em que os políticos não vão cumprimentar e ouvir as pessoas apenas na altura das eleições. E o media training continuará a existir. Mas, nessa altura, a Educação para os Media, já estará em marcha.
Marta Araújo
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