O diretor do El Mundo deu uma interessante
entrevista ao Dinheiro Vivo sobre o futuro dos jornais. A ideia é simples: a idade de ouro dos jornais está para chegar, mas numa plataforma fundamentalmente, se não mesmo unicamente, digital. Serão conteúdos pagos para uma "grande minoria" de leitores que procuram informação feita por especialistas, isto é, jornalistas. Acho que esta visão é interessante, mas o entrevistado parece passar ao lado, pelo menos nesta entrevista [não digo que as ignore], de algumas realidades que já estão on moving. Os geradores de notícias ou media awareness não são desde há anos um exclusivo da comunicação social. A retransformação dos media para a hipotética fase do 100% digital pode acontecer, mas o mundo não parou durante esta crise de identidade da comunicação social. E é aí que as contas do diretor do El Mundo podem (ou não) estar erradas.
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Crise dos media tradicionais caracteriza-se por estes terem um pé no papel e outro no digital |
Eu destacaria as seguintes passagens da entrevista:
a) Estamos a viver aquilo que Gramsci definiu como crise: quando o velho [o papel] ainda não desapareceu e o novo ainda não nasceu [o digital autosustentável].
b) A informação gratuita na internet tem os dias contados, não é financeiramente sustentável, foi uma burrice dos editores. [...] A solução é fazer pagar "a grande minoria que quer mesmo ler".
c) A banca de jornais está condenada a desaparecer.
d) O que acontecerá é mais simples: forçados a assinar os jornais de qualidade se os quiserem ler, os leitores vão progressivamente mudar-se para os tablets e smartphones, também eles cada vez mais baratos, porque é apenas aí que vão estar disponíveis as aplicações desenhadas pelos jornais.
e) O papel não é a nossa essência, é a nossa origem - o que é diferente. A essência é a informação que só os jornais de qualidade sabem produzir.
f) A migração para os tablets permitirá acabar com os custos de impressão e distribuição. "Estamos a falar de menos 50% de custos fixos! É uma poupança extraordinária para qualquer negócio".
A essência dos media é a qualidade de informação e é aí que teremos de regressar, mas agora numa linguagem e formatos digitais. É o mito do eterno retorno à essência [qualidade de informação] e não à origem [o papel].
A EVOLUÇÃO DOS MEDIA
(carregar na imagem para melhor visualização)
A situação atual, caracterizada pela crise de identidade dos media e pelas inúmeras dúvidas sobre os caminhos futuros, não poderá ignorar a concorrência real, mesmo na captação de publicidade, pelos meios independentes [free & earned media], com poucos recursos mas com suficiente capacidade de atrair públicos. Não me irei alargar muito neste post, mas chamo a atenção para dois aspetos:
1) O público potencial de jornais norte-americanos e espanhóis, como os citados na entrevista do diretor do El Mundo é muito maior nesses países, garantindo a autosustentabilidade financeira de um modelo de negócio assente no jornalismo de qualidade e, logo, com investimento avultado no capital humano que permitirá diferenciar o produto dos free & earned media, como é o caso dos blogues. A realidade do El Mundo, por exemplo, com 24 milhões de utilizadores, não é aplicável diretamente a Portugal.
2) Um estudo muito recente de Neil Thurman e Anna Walters, da City University London’s Journalism School, sobre liveblogging diz que é este que se está a tornar no formato padrão para cobrir notícias de última hora, eventos desportivos e notícias de agenda, tais como as relacionadas com as eleições presidenciais nos EUA. Segundo, Thurman, os liveblogs em Guardian.co.uk receberam 300% mais visualizações e 233% mais visitantes do que os sites convencionais de notícias online sobre o mesmo assunto. Eles também conseguem ficar à frente nas consultas de galerias de fotos online, obtendo 219% mais visitantes. O estudo chama-se
Live Blogging - Digital Journalism’s Pivotal Platform?
Ou seja, é um engano pensar que os problemas dos jornais terminam quando o digital for economicamente autosustentável (com ou sem conteúdos somente pagos) e o papel morrer. O mundo não ficou nem ficará parado à espera que os velhos media tenham uma proposta de valor que ignore o papel e ofereça um digital de indubitável qualidade. Quando a crise dos media passar (ver esquema em cima), não surgirá um campo florido com meia dúzia de players especializados a digladiarem-se por espaço no mercado. Espaço de leitores pagantes e espaço de publicidade paga, entenda-se.
A proliferação das redes sociais, nomeadamente dos liveblogs, assemelha-se a um enxame de abelhas: cada uma por si pode parecer pequena e picar pouco, mas todas juntas constituem (agora e no futuro) um colossal desafio à qualidade dos media renascidos para o digital a 100%. O futuro está ao virar da esquina.
Prometo voltar a este tema noutras ocasiões.